- Aqui nunca chove. Algo na chuva me deixava com saudade de casa, então parou de chover. Também nunca é dia. Costumava temer o escuro, mas descobri que não sei escrever em claro. Então parou de amanhecer. É bonito, mesmo assim. Aqui a lua clareia mais que o sol. É espaçoso, eu diria. Um mundo confortável para uma claustrofóbica. Antes haviam paredes, mas faziam uns barulhos estranhos com o vento. Aí derrubei. Eram desnecessárias, no fim das contas. Não tenho vizinhos e não chove - para que mais eu precisaria de paredes? Tinha também a questão do tempo. Antes a minha vista cansava quando eu escrevia demais. A coluna gritava com a má postura. Não conseguia andar dez metros sem ficar completamente exausta. O refluxo na mitral me envelheceu meio século em poucos anos. Poderia ter me adaptado lá, mas eu queria correr na praia. Aí decidi não voltar mais. Pensei que fosse me sentir mais solitária com a mudança. Às vezes sinto vontade de dançar uma valsa ou coisa assim, mas nada que meu espíri...