Acordei certa feita sem saber o que me fizeram. Meu corpo pesava duas vezes o meu peso e minha cabeça doía. Nada de incomum acontecera na noite anterior e nenhum sinal de doença me acometia.
Levantei com dificuldade e fui ao banheiro buscar o espelho. Não me vi. Não vi porque não havia nada para ver. Eu não estava lá.
Busquei outros espelhos para confirmar minha ausência. Todos eles declaravam o mesmo. Ou aqueles não eram espelhos ou minha razão já não me sustentava como antes.
Saí em tremores seguindo a voz de alguém. Alguém esse que soava familiar, mas do nome eu não me recordava. O som me levou a uma moça. Ela pedia ajuda para alcançar um vaso em uma prateleira alta. Sua feição calma não parecia ter ciência do sumiço do meu reflexo. Expliquei a ela toda a situação. Ouviu atentamente e começou a procurar algo em uma gaveta. Pediu-me para sentar e disse que me ajudaria. Em instantes, sua feição calma deu lugar a um rosto disforme e assimétrico. Ela me mataria. Eu tinha certeza disso.
Corri o máximo que pude e quando dei por mim já não estava em casa. Continuei andando até me deparar com um cruzamento. Pessoas andavam em todas as direções sem notar a existência uma da outra. Pareciam meras simulacras de si mesmas. Vagavam sem um motivo aparente, tal como eu.
Tentei interagir com alguns. A maioria dizia algumas palavras sem nexo, outros nem moviam os lábios. Andavam todos no mesmo compasso e ninguém parecia se importar com minha presença.
Continuei andando, por muitos e muitos metros. Quanto mais eu andava, maior o cruzamento se tornava, de forma que eu nunca conseguia escapar dele. Entendi então que não deveria escapar, e parei. No instante em que parei, tudo tornou-se espelho. O asfalto, os prédios, os semáforos já não eram nada além de superfícies reflexivas. As pessoas continuaram inertes.
Busquei mais uma vez a mim mesmo. Não encontrei nada. Com alguns segundos, as pessoas mais próximas a mim começaram a rir e me apontar. Eu havia me tornado o homem sem imagem, a chacota.
O riso tornou-se agressivo. Chegaram mais perto de mim e começaram a me tocar. Eu entendi que morreria. A última coisa que me recordo é de perceber, conforme chegavam mais perto, que eram todos eles homens sem imagem.
Acordei certa feita sem saber o que me fiz.

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