Cuidadosa em todos os detalhes. Metódica e pontual. Chegava em casa perto das 17h e acendia um incenso. Tomava banho nos fins de tarde com as luzes apagadas. Se já tivesse anoitecido, acendia velas. Vivia acompanhada de uma caixinha de som branca. Tenho a impressão de que escutava as mesmas músicas.
Gostava de dançar sozinha. Deslizava pelos poucos metros do pequeno quarto-sala como se ali houvesse o espaço do mundo inteiro. Não havia. Às vezes se chocava com um móvel ou uma planta. Ria de si mesma e continuava. Era desajeitada nos passos e tinha consciência disso.
Não costumava receber visitas. Passava horas no telefone conversando com alguém que estava longe. Frequentemente desligava o celular, deitava no chão e chorava. Se ligassem novamente, se recompunha em dois tempos. Sorriso no rosto. Sorriso de quem não queria sorrir. Não sei dizer se era saudade. Doía - até de ver doía.
Tinha sempre os lábios vermelhos. Encarava o espelho na parede da sala por horas. Falava com ele. A princípio pareceu vaidade. Talvez fosse. Tinha um capricho elegante em como desenhava a boca com o batom rubi. Ela e seu reflexo eram amigos íntimos. Por vezes brigavam, como bons amigos fazem. Aí se olhavam com desdém. Depois voltavam a conversar.
Dormia tarde. Perdia horas no parapeito da janela contando estrelas. Não olhava para baixo. Talvez tivesse medo de altura. Ou talvez as coisas da terra não a interessassem. Quando entediada, fingia esquecer as contas só para começar tudo novamente. E ficava lá sozinha apontando para o vazio.
Não costumava beber, mas quando o fazia era sempre em exagero. Começava em uma taça de vinho e alguns sorrisos. Terminava com cerveja barata e a pele estatelada em algum canto. Caía de qualquer jeito e ficava lá. Sempre falando, só não sei o que. No dia seguinte acordava com dores. Se dava sermões. Mas ria e continuava. Gostava de perder o controle.
Era comum vê-la contorcida em lágrimas. O cabelo desgrenhado, as roupas sujas. Lançava objetos na parede. Rasgava papéis. E então corria para devolver tudo às prateleiras etiquetadas. Retocava os lábios rubi e se abraçava. Tinha um desalento secreto. Arredio. Dela. E por maior que fosse o pesar, eu jamais poderia intervir.
Fiquem aqui registrados então os olhares do amante sobre o corpo amado.
À vizinha do prédio ao lado cujo nome me é mistério.

Aff, que escrita foda!
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