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Mostrando postagens de 2017

Danse Macabre - Final

A violinista. França, 1823 . Natalie acordou sem lembrar de como havia dormido. A última memória que tinha era o violino de vidro. Despertou ao som de algumas faces pálidas questionando o motivo de sua saída na tempestade. Marlon estava adormecido em uma cadeira de balanço no fim do corredor. Parecia ter passado a noite em claro. Pierre apareceu alguns minutos depois com a notícia de que um doutor viria examinar Natalie. A garota não entendeu. Sentia-se bem, era saudável, não precisava de um médico. A única coisa que Natalie precisava era encontrar o violinista mais uma vez. Sua existência agora figurava-se incompleta sem a presença daquele ser peculiar. Não tardou até que o médico chegasse. Houveram inúmeras perguntas sobre a fuga de Natalie da noite anterior. No meio de muitas suposições levantadas, a história do encontro com o violinista não foi em momento algum avaliada como verdade. Pierre acreditava que a moça tivera um episódio de histeria. As criadas preocupavam-se c...

Danse Macabre.

A violinista. França, 1823. Natalie estava impaciente. O relógio parecia parado. Esperava há horas notícias de Marlon, que fora pedir a Pierre, pai de Natalie, a benção para casar-se com sua filha. Depois de anos aguardando a chegada daquele dia, qualquer segundo passado era menos um segundo ao lado de Marlon. Chovia. Natalie contava cada gota de água que escorria vagarosamente pela vidraça. Não conseguia pensar em nada que não fosse Marlon e no quanto queria que Pierre abençoasse a união dos dois. A contagem entediante foi interrompida por uma melodia familiar. Um som melancólico de violino preencheu de súbito a mente e a alma de Natalie. - Tristesse, Friederich Chopin. -reconheceu. A música atraía Natalie como nada nunca havia feito antes. Todas as células de seu corpo ressonavam com as notas murchas que o violino gritava. Em êxtase, Natalie saiu de casa à procura do violinista. Esquecera a angústia de esperar Marlon. Tudo que queria naquele momento era descobrir a origem d...

Jasmim.

Era algum dia entre dez e quinze de setembro e o entardecer caía calmo sob a copa das árvores. O dia estava extremamente silencioso e só o que se ouvia era o canto aflito de um sabiá aprendendo a voar. Sempre gostei de passar minhas tardes de primavera admirando o desabrochar das flores e sentindo o vento em meu cabelo.  Como que intencionalmente, uma abelha grudou em meus cachos, atrapalhando minha paz. Está aí a pior parte da natureza: insetos. Passei as mãos desajeitadas entre os fios enquanto me esforçava em vão para não entrar em pânico.  Fui vencida em minha luta. O local da ferroada latejava e eu só pensava no quanto queria que todas as abelhas do mundo sumissem. Instigada pela vingança, persegui a maldita abelha e a esmaguei entre meus dedos. Quem é a esperta agora, hein? , pensei alto.  Voltei ao lugar onde estava sentada e me atentei a terminar minha leitura. Eu estava tentando concluir meu exemplar de  O Retrato de Dorian Gray há meses, mas faltava...

Nada que alguns goles de álcool não resolvam.

São 3:28h da manhã e minha única companhia é essa garrafa de vodka. "Um shot", disse a mim mesma. Nunca é só um shot. Ás vezes a gente só precisa espairecer a mente, não é? No meu caso, preciso tirar uma folga da minha consciência. Preciso esquecer que meus problemas existem, pelo menos momentaneamente. É só uma garrafa. Isso vai me fazer bem. Um shot se tornou dois. Dois se tornaram cinco. E lá se foi a garrafa inteira. Vai ficar tudo bem . No máximo uma ressaca amanhã. É. Não passou muito tempo e já sinto a cachaça no controle. Minha visão está turva. Minha cabeça dói. Não consigo me manter em pé. Vai ficar tudo bem. Me deu vontade de ligar pra ele. Porque não? Ele me odeia. Eu o amo. Não me importa. Eu vou ligar. E disquei os números embaralhados na tela ardorosamente iluminada do celular. Nove... Três... Oito?  Não lembro mais. Acho que teclei certo. Ou não? Eu não sei. Acho que tenho o número na agenda. Isso é uma boa ideia? Isso é u...

A Lenda de Hiiumaa.

O vilarejo onde cresci sempre foi extremamente calmo. Passei minha vida inteira em um povoado isolado na ilha de Hiiumaa, na costa oriental do mar Báltico. Sempre foi uma vivência um tanto pequena, mas, apesar do tédio, nunca tive do que reclamar.  Eu e minha família éramos em cinco. Eu, minha mãe, minha avó e minhas duas irmãs habitávamos uma espécie de choupana de uns poucos metros quadrados. Não haviam figuras masculinas em nossa vivenda. Meu avô morreu antes de meu nascimento e meu pai, um estrangeiro que caiu em Hiiumaa por azar do destino, fugiu da ilha na primeira oportunidade que teve. Não o culpo por isso. A inércia do vilarejo é capaz de desvairar até as mentes mais sãs.  A aldeota era sustentada por pesca e artesanato. Vendíamos nossos peixes para toda a Estônia e nossas habilidades artísticas eram vastamente reconhecidas. Apesar de aparentar nunca evoluir, a vila prosperava. Como minhas opções se restringiam basicamente a ser artesã ou pescadora (e essa tare...

15:03h

     Laila acordou desnorteada e confusa. Tudo ao seu redor parecia errado. Ela estava jogada no asfalto, completamente suja e machucada. Tentou gritar por ajuda, mas não havia ninguém por perto. Levantou sem dificuldade e percebeu que por algum motivo seus ferimentos não doíam. Nada daquilo fazia sentido. O sangue parecia ter estancado antes mesmo de sair de seus vasos, de modo que haviam feridas abertas profundas que não latejavam e nem sangravam. A sujeira de seu corpo parecia ter se unido a sua pele, denunciando dias - talvez semanas - sem limpeza. Começou a andar pela rua em que acordara em busca de alguém que pudesse explicá-la o que estava acontecendo. Não obteve sucesso. Por mais que andasse, todas as esquinas pareciam iguais. Todas as ruas eram a mesma rua. Até o padrão de organização das nuvens parecia repetido. Laila teve a sensação de estar presa em um quadrado - e estava. Quando finalmente percebeu que andar era inútil, resolveu sentar e pensar. Su...